Poemas

terça-feira, 19 de agosto de 2008

NOTAS SOBRE AQUELE HOMEM I















“É impossível penetrar a solidão de alguém”
- Paul Auster in A Invenção da Solidão -

Haviam propósitos
para findar seus acidentes:
Impossível penetrar no quarto de outra solidão,
separar-se dos pés e povoar as cômodas de caminhos.

Tocasse um abajur
e tivesse a pele da mulher à seu tato
e toda a luta e toda a prosa,
e respostas no teto e no guarda-roupa.

Mordesse os lábios
e tivesse todas as palavras do mundo
no assoalho sob si
e todas as belas tardes na saliva.

Havia propósito
em pensar que estivesse só,
não tropeçaria nas companhias
e nunca, nunca, seria surpreendido
mostrando os dentes
ao saudar o tédio com um bocejo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Dilatações*

.
A lingüística habita a lata
a lata freme uma ânsia de sino.

O que há de metal no cilindro
o eco desinventa.

O que há de circustâncias na conserva
o fio degenera na ponta.

O que sou de lata em mim
o silêncio reponta.

*poema selecionado na edição de 2003 do Poemas no Ônibus de Porto Alegre

PARA REFLETIR

.
Shane: Então, quanto você quer pela cabeça dele?
Bronco: 500 dólares.
Shane: Judas se contentou com 470 dólares a menos.
Bronco: Não havia dólares na época.
Shane: Mas filhos da puta, sim.

domingo, 22 de abril de 2007

O colecionador de ausências




Quando olho para mim não me percebo
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.


- Fernando Pessoa-



Colecionava tudo. Primeiro foram figurinhas, depois selos e por fim ausências. Um bom colecionador de ausências.
Começou na escola. A professora cobrava minha fala, mas eu tinha ausência no modo e no jeito de me pronunciar. Meu silêncio era uma corda de sisal que amarrava de forma precisa e incorruptível meu discurso; a escrita foi meu punhal, minha primeira arma. Por isso nunca me ocultei de meus crimes. Nunca neguei ausências, guardava-as.
Ausentava-me nos passos, a cabeça procurava o silêncio do chão. Era atingido por raios e relâmpagos, e as poças nas calçadas eram lâmpadas de aço que me lembravam a toda hora que eu não estava. Vez ou outra baixava o corpo para amarrar os cadarços e recolhia uma pedra: minha ausência mineral.
Lembro-me que também colecionei latas, que eram minha ausência de ferro no sangue, minha anemia e meu pouco peso; colecionei maços de cigarro de fumaças ancestrais: minha ausência de fôlego.
Descobri após algum tempo que poderia fabricar minhas próprias ausências, algumas de argila, outras de madeira, e outras de sonhos (de uma faina delicada) onde eu pudesse pôr qualquer despedida ou qualquer abraço negado.
Os marcadores de livros eram vários e variados, um tinha uma serpente de letras de uma cicuta incurável. Quando cansado da realidade abria um livro na página marcada e me ausentava em grandes navegações ou na derrubada de gigantes eólicos.
Eu era o que se podia chamar de um colecionador ideal, pois ignorava ser. Talvez por esquecer as horas e os ponteiros e me ausentar ao que me espreitava. E foi este, o tempo, que imperceptivelmente colecionava, que veio, por fim, ao meu encontro. Primeiro fingi não vê-lo. Adiava a infância pelas décadas e pelos compromissos: minha ausência temporal. Tampinhas de garrafa eram várias e variadas, e até hoje trago rugas no rosto para marcá-las.
Hoje, quando a noite mostra seus silêncios, e minha ausência de sono me coleciona, penso em meu primeiro punhal (que trago escondido sob as unhas) para que as madrugadas que me restam saibam que colecionei palavras e que nunca estive só, talvez ausente, mas nunca só.

domingo, 15 de abril de 2007

Édipo, o ébrio & de como bateu de bar em bar

Foi então que Édipo, cansado do provincianismo de Corínto, partiu para Tebas. Na mala de garupa dois pedaços de charque, muita esperança e a saudade de Pandora – menina afoita que roubou seu coração.

Que gostasse de uma água forte, todos tinham ciência, mas que fosse corajoso seria mentir para o espelho (anos depois Narciso – amigo de infância – exaltaria nas homenagens póstumas: virtude & coragem).

Longos dias no lombo de sua Yamaha o deixaram fatigado. Pernoitaria em Delfos.

Perguntou ao dono do pensionato onde poderia alimentar a alma com umas doses de hidromel com canha. Sófocles Bar.

Ambiente fumarento, picumã por quilo y un pajador. Duas ou três presenças femininas, e um quadro do “grande timoneiro”. Pelas frinchas, o frio. Duas doses pra começar. O bandoneón de espinhaça quebrada, inventava o clima de invernia. Foi que avistou no balcão aquela que seria sua perdição e sua vida. Matilde? Talvez. De pronto pôs-se de pé. Passos leves e pensamentos levianos o levaram até lá. Ao sopé do ouvido da mulher mais linda disse “Minha feia, onde estão escondidos teus seios? São mínimos como dois vasos de trigo. Me agradaria ver-te duas luas no peito: as gigantescas torres de tua soberania.”. Ao que escutou “Laio!!! Olha só este desaforado”. De trás do balcão pulou aquele homem, que a essa altura mais parecia um felino, proferindo desacatos “Filho-da-puta!!!”... Isso já era demais. Agora que a vadia não conhecia Pablo Neruda, tudo bem, mas todo aquele escândalo!!! Ora ora, o único desaforo que tolerava era de seu pai e não ia ser um sujeitinho à-toa que iria tripudiar com os seus princípios. O átimo permitiu que sacasse a Solingen, cabo de chifre, em direção à reentrância posterior da costela do tal de Laio. Na profundidade das vísceras a faca escutou os últimos suspiros de sua vítima.

Édipo fez pouco caso do sucedido, colocou a mão para dentro do balcão, apanhou um punhado de dracmas e a garrafa de canha, já pela metade. Antes de partir pegou a mulher mais linda pela mão e a levou consigo na garupa de sua Yamaha até o fim do mundo.

Jocasta era o nome da mulher mais linda, e que tinha idade para ser sua mãe. Jocasta se tornou também o nome de referência quando o assunto era a lírica de Neruda. Doutorou-se em Letras. Sete ensaios publicados em forma de livro versando sobre os textos do Nobel de literatura de 1971. Seu coração pertence ao “Carniceiro do Sófocles”, como ficou conhecido Édipo. Hoje vive de fugir da polícia – dura lex sed lex. À noite, quando entra imperceptivelmente no quarto da amada, depois bater de bar em bar, chama Jocasta de Pandora. Ela não se importa, afinal, está cega de amor.